Castelo Rá-Tim-Bum
Ontem fui à exposição de 30 anos do Castelo Rá-Tim-Bum, que está acontecendo no Solar Fábio Prado, na Faria Lima, aqui em São Paulo. Essa é a terceira exposição do tipo - já rolou no Museu da Imagem e do Som em 2014 e no Memorial da América Latina em 2017. Quando vi que teria uma terceira, senti uma certa urgência: não sei bem porquê não me mexi pra ir em nenhuma das duas anteriores, e sinceramente não sei por mais quanto tempo vai durar essa vontade de relembrar a maior obra da TV Cultura, especialmente agora que a emissora está refém do bosta do Tarcísio de Freitas, que cortado verba dia sim e outro também. Enfim.
A montagem da exposição em si infelizmente passou um pouco uma sensação de fim de festa, sabe? Tudo é muito lindo, os figurinos originais estão lá, assim como alguns dos bonecos (o Mau, o Gato da Biblioteca, a coruja Adelaide, o Porteiro), mas o espaço da exposição parece pequeno pra mostrar a imensidão da obra incrível que a Cultura produziu, sabe? Ficou tudo um pouco claustrofóbico. O jeito como as pessoas tendem a ir pra esse tipo de exposição só buscando um bom cenário de fundo pra uma foto pro Instagram (eu incluso, viu) não ajudou também. Não sei se é uma comparação justa, mas a exposição do Chaves que fui no ano passado parecia mais preparada pra lidar com isso: o espaço era bem maior, com muito mais monitores e inclusive alguns cenários pensados para que as pessoas tirassem fotos, concentrando os gargalos da exposição nesses pontos específicos e fazendo o fluxo fluir melhor no resto do espaço.
Ok, não quero que esse texto seja uma resenha. Em vez disso, queria falar sobre o aspecto que mais me chocou em cada ambiente da exposição, em cada pedacinho do que foi o Castelo: a mais completa ARTE que tem em TUDO aquilo ali!! Sério, é muito surreal olhar pra tudo isso trinta anos depois (ou uns 20 e poucos anos, no meu caso) e perceber como tudo aquilo deve ter dado trabalho pra fazer, como deve ter sido extremamente caro e mesmo assim foi feito à excelência.
A exposição não tem muitos textos sobre o processo de criação do Castelo, mas mostra algumas fotos de provas de figurino, croquis dos personagens a serem interpretados pelos atores, estudos de design dos personagens fantoches que seriam manipulados, e tudo é incrivelmente surreal. Me chamou muito a atenção as coisas que criam toda a ambientação do Castelo: os objetos, os móveis, os instrumentos que talvez nem desse pra ver direito por uma TV de tubo da época, mas que os caras fizeram mesmo assim. Por exemplo: eu nunca tinha reparado que o Tíbio e o Perônio usavam relógios de pulso com dois relógios cada. São coisas tão pequenas mas que, juntas, compõem um ambiente que faz total sentido na cabeça de uma criança, como se fossem a coisa mais óbvia e que não poderia ser mesmo de outra forma. Mas é claro que a Morgana tem um telefone com essa forma. Sim, obviamente esse armário só poderia ser orgânico e cheio de curvas. O que você esperava? Um armário em formato de paralelepípedo, como esses sem graça de adulto?
Eu queria muito que a exposição fosse um pouco mais pra esse rumo, com mais depoimentos sobre como eles fizeram tudo isso. Acho que é algo que o TikTok da Cinthya Rachel, a atriz que fez a Biba, consegue me oferecer mais até do que a própria exposição.
O que eu senti vendo a exposição não foi nostalgia, foi saudade mesmo. Saudade de um tempo em que uma produção educativa e de financiamento público foi mais do que possível, foi excelente. Me parece que nós que estamos agora chegando aos 30 anos carregamos conosco um pessimismo tão denso, tão pesado. Não sei se é a idade. Minha impressão é de que tem mais a ver com a idade somada ao zeitgeist mesmo. A termos saído de um tempo em que coisas como o Castelo Rá-Tim-Bum nos deram uma infância tão rica em imaginação, em arte e esperança, pra virarmos adultos que têm Tarcísio de Freitas como governador. O que eu quero dizer com isso é que parece que um projeto como o Castelo hoje em dia sequer receberia financiamento e as condições mais básicas pra existir. E que os nossos sonhos hoje nem são tanto sobre ganhar nada, se der pra não perder já tá ótimo.
A exposição acontecer na Faria Lima teve um pouco desse simbolismo pra mim. O pior estágio que eu já fiz na vida também foi nessa mesmíssima avenida. Foi ali que eu me desiludi completamente com a fábula que dizia que sucesso = se formar na faculdade, achar um emprego CLT numa multinacional, ganhar dinheiro pra uma vida de classe média confortável, porque eu cumpri com cada passo desse plano e em vez de sucesso eu adoeci todinho da cabeça.
Talvez seja nostalgia sim. Talvez faça parte do crescimento a adultização de tudo. O fim dos móveis malucos e das lava-louças mágicas e bonitas que ocupam uma parede inteira da cozinha do Castelo e o começo dos móveis quadrados e sem graça cujas parcelas vão se empilhar por meses e meses.
Talvez seja saudade.