Hackerman
Ou o dia em que fiz o jailbreak do meu Kindle
eu ae
Eu não sou dos mais entendidos de tecnologia, longe disso. Mas ainda (acho que) sei mais do que a média das pessoas. Eu me formei Técnico de Informática, afinal (há mais de 10 anos). E, mais importante: eu sou curioso com essas coisas. Claro, na época do técnico isso era uma parte muito maior da minha vida (e da minha personalidade). Isso foi lá por 2013, quando os smartphones Android estavam vivendo o começo da sua popularização. Meu primeiro Android foi um Galaxy 5, que eu hackeei pra conseguir atualizar do Android 2.1 Eclair pro 2.2 Froyo por conta própria porque a Samsung tava demorando demais pra oferecer a atualização aqui no Brasil, embora ela já estivesse disponível em outros países. Depois, instalei o Android 2.3 Gingerbread. E depois o 4.0 Ice Cream Sandwich, ambos modificados pela galera do XDA Developers. A Samsung sequer chegou a oferecer versões oficiais desses sistemas pro aparelho, mas a comunidade de desenvolvedores era muito engajada com o Galaxy 5 nessa época, e eles fizeram o que a Samsung nem ameaçou fazer. Divos.
Depois dele tive o Galaxy X, a versão nacional do Galaxy Nexus, o primeiro aparelho Nexus já criado (bons tempos que não voltam mais). Esse eu também hackeei pra transformar em Galaxy Nexus (o modelo internacional) e receber as atualizações de versões mais recentes do Android, que a Samsung não fez questão de oferecer pro mercado nacional (na época tinha toda uma fragmentação adicional envolvendo cada operadora, se me lembro bem).
Nesse meio tempo, uma colega da escola ficou sabendo que eu manjava dessas coisas de celular e me emprestou o tablet HP TouchPad do pai dela pra que eu removesse o WebOS (!) e o substituísse pelo Android 3.0 Honeycomb, muito mais munido de aplicativos. Avisei a ela que nunca tinha feito isso e que poderia brickar o aparelho, mas ela disse que ele já tava parado sem uso mesmo, então tudo bem. Segui outro tutorial do XDA e funcionou.
Em algum momento ainda, tive um iPad de segunda geração que eu jailbrakeei pra personalizar o sistema super fechado da Apple (e pra piratear apps e jogos pagos. Dessa parte não me orgulho tanto).
Meu ponto é que isso foi um hobbie divertidíssimo pra mim na época. Eu trocava o sistema do coitado do Galaxy 5 quase toda semana, por deus. Forks diferentes da CyanogenMod ou da Paranoid Android, com pequenas diferenças estéticas entre si, um aplicativo a mais ou a menos, um recurso aqui ou ali. Era o meu distro hopping da época - mais recentemente até cheguei a fazer distro hopping de distribuições Linux de fato, mas parei depois da segunda ou terceira troca porque, bom, preciso de um computador estável pra trabalhar, então não dá pra ficar recomeçando tudo toda semana.
Todos esses casos tinham algo em comum: sempre foram formas de me tornar mais independente das empresas que me venderam os aparelhos e que, contra a minha vontade, me prenderam nas suas decisões de negócios. A Samsung não queria atualizar meus aparelhos, ou até queria, mas às custas de longas esperas, promessas quebradas, adiamentos… Além disso, eles decidiam como o software do meu celular funcionaria, com qual estética, quais recursos e quais apps (era o tempo do bloatware pesadíssimo, o falecido TouchWiz que descanse em paz). A Microsoft decidiu que meu computador precisava rodar todos esses processos em background, atrasando meu trabalho enormemente. E que as cores do sistema seriam essas. E que eu poderia configurar isso, mas não aquilo outro. Assim, cada hacking desses serviu pra tornar aquele aparelho um pouco mais meu, e me apoderar do conhecimento necessário pra fazer e desfazer essas mudanças conforme a minha vontade.
Como eu disse, isso ficou meio adormecido em mim no decorrer dos últimos 10 anos. Os sistemas padrão das fabricantes foram ficando melhores e o processo pra contorná-los foi ficando mais difícil. O custo-benefício deixou de valer a pena, de modo que não se ouve mais falar em jailbreak de iPhones, por exemplo. O projeto CyanogenMod minguou (pra ser justo, virou LineageOS, com uma proposta mais voltada pra aparelhos antigos, dando vida extra pra esses dispositivos depois que as empresas desistiram de mantê-los). Ao mesmo tempo, minha relação com esses dispositivos foi mudando: meu celular, além de ser mais caro hoje do que era naquela época, é também uma ferramenta de trabalho e meu acesso principal ao meu dinheiro no banco, de modo que não posso me dar ao luxo de ficar formatando-o o tempo todo.
E aí, eu caí nesse vídeo:
O Kindle tá longe de ser um dispositivo de trabalho pra mim. Talvez seja o último gadget que eu tenho cuja função principal continua sendo a de lazer, aliás (e isso só porque livros técnicos costumam ser péssimos de ler no bichinho).
Soma-se a isso o incômodo que tenho há muito com o domínio da Amazon sobre o já sofrido mercado nacional de livros, que dirá dos ebooks. Minha rebeldia contra isso se fazia existir principalmente através das bibliotecas, que só recentemente voltei a frequentar (falei mais sobre esse rolê aqui), mas essa não é uma solução de todo perfeita. A biblioteca mais perto de casa não tem um acervo tão bom assim. E também não é tão perto de casa assim. Os ônibus demoram muito pra passar aos sábados, que é quando eu tenho mais disponibilidade pra ir até lá, e a biblioteca funciona em horário reduzido nesse dia. Enfim, pequenos fatores que ainda acabam contando contra o livro físico e a favor do livro digital. Só que comprar livros digitais significa dar dinheiro ao Jéfferson Bezos, aquele bosta.
Ah, e tem um detalhe: é meio que impossível comprar ebooks pela Amazon. Na verdade, o que você tá fazendo é meio que um empréstimo de prazo indeterminado. Você paga por uma licença que te permite acessar o conteúdo, nos termos de uso da loja deles (termos esses que podem mudar). O arquivo do livro nunca é realmente seu, e a Amazon continua podendo alterar sua capa e conteúdo remotamente, como inclusive o rapaz do vídeo menciona (no caso dele, a Amazon trocou as capas de livros que ele já tinha comprado por versões que destacavam as adaptações cinematográficas feitas… pela Amazon, pro Prime Video. Basicamente transformou os livros "dele" em anúncios para um outro produto. Ugh).
Somando tudo isso ao vídeo super bem produzido, com excelentes argumentos e ainda uma história FOFA de que ele fez tudo isso só pra agradar a namorada e proteger o hobbie de leitura dela de um bilionário nojento, eu tava completamente rendido.
Então, foi isso. Segui o passo a passo do tutorial e, em coisa de meia hora, o Kindle era meu de verdade.
Essencialmente, o que eu fiz foi instalar um app leitor de livros alternativo ao padrão da Amazon, o KoReader. O KoReader tem muito mais recursos, é muito mais customizável, e lê arquivos em formato .epub em vez dos proprietários da Amazon. Em tese eu poderia, digamos, comprar livros na loja do Kobo agora (que surpeendentemente ainda vende ebooks no Brasil, mesmo depois da falência da Livraria Cultura que sumiu com os dispositivos Kobo do país (descansem em paz, guerreiros) e ler esses arquivos .epub tranquilamente no meu Kindle. Ou… eu poderia obter esses mesmos arquivos através de… hm, fontes alternativas. Ainda não decidi se vou seguir por esse caminho, porque ainda não me decidi propriamente se isso é ético ou não a ponto de me incomodar (me pergunto se piratear um livro é tão diferente assim de pegá-lo emprestado na biblioteca. Ou emprestar de um amigo que já pagou por ele. Também me pergunto se preciso ser tão ético o tempo todo. Caracas meu, relaxa!). Mas, de toda forma, é legal ter a opção, e sentir que estou um pouco mais protegido (imune?) das decisões do bilionário careca que mandou a Katy Perry pro espaço por 11 minutos só porque sim. Eu hein.
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