às vezes, escrevo

meu bolo favorito é uma torta de climão

[Antes de começar o texto em si, três importantes lembretes:

  1. Esse não é um blog sobre cinema (aliás esse não é um blog sobre nada, eu hein), então não espere uma resenha.
  2. Eu não sei NADA sobre o Irã nem sua história. Tudo que eu escrever aqui é resultado da minha percepção do filme e de, sei lá, projeções. Esse também não é um blog comprometido com a verdade.
  3. Eu não ligo muito pra spoilers; pra chegar aonde eu quero chegar com esse texto, talvez acabe entregando algum. Vou tentar me conter aqui, mas não sei hein. (Esse não é um blog comprometido com nada também. Palhaçada.)

Ontem fui ao cinema ver o filme Meu Bolo Favorito, cujo trailer minha esposa me enviou (ou vimos juntos antes de algum outro filme, não me lembro). No caso, esse trailer:

Qual a sua expectativa vendo esse trailer? A minha foi algo como "puxa, que lindinho!! Histórias de amor na terceira idade são tão raras, e quando existem, parece que sempre se sentem obrigadas a incluir uma alívio cômico, um deboche sobre ser velho. Esse filme parece só… sensível. Que lindo!!"

Bom, isso tudo é mesmo verdade. O filme tem sim cenas sobre ser velho, mas numa perspectiva sensível e que se aproxima mais do drama. Cenas sobre a solidão e sobre a sensação de que o mundo seguiu marchando e te deixou pra trás: Mahin tentando falar por vídeochamada com a filha (que se mudou pra fora do país como consequência da Revolução) e sendo sutil (mas cruelmente) ignorada. Mahin tendo que esperar no mercado porque não sabe pedir um táxi pela internet. Mahin numa cafeteria ouvindo a odiosa frase "O cardápio? Ah sim, basta escanear o QR Code ali na mesa".

Agora, o que mais me encantou nesse filme foram os gestos de puro afeto entre Mahin e Faramarz. À medida em que eles vão se conhecendo (e nós, público, também os vamos conhecendo), gestos do mais puro carinho se desenrolam: ela serve a ele um vinho proibido pelo regime iraniano, que ela esconde embaixo da pia "há muitos anos" e que nunca bebeu porque não tinha com quem fazê-lo; ele se oferece pra consertar a fiação do jardim dela, que há muito não funciona; eles, que acabaram de se conhecer, começam a fazer planos pro futuro. Nada mirabolante, mas incrivelmente doce mesmo assim: plantar flores no jardim. Jantar nesse mesmo jardim, conversando. Uma vida tão simples e ainda tão rica juntos.

Só que eu acho que esse filme não é sobre Mahin e Faramarz. Esse é um filme sobre o Irã. Algumas cenas me fizeram pensar nisso, principalmente a sequência de eventos que leva Mahin ao parque e, mais tarde, ao restaurante em que seu caminho cruzará com o de Faramarz: nesse dia, ela sai de casa decidida a conhecer alguém, se abrir para o mundo, como diria um personagem dO Dia em que Selma Sonhou com um Ocapi (que ainda estou terminando de ler). Primeiro ela vai de táxi até a cafeteria de um hotel, onde não encontra ninguém. Segue pra um parque, onde encontra a Polícia da Moral fazendo uma blitz e levando presas várias jovens mulheres por estarem usando o hijab de forma errada, ainda deixando à mostra um pouco dos cabelos. Nos diálogos com a jovem (e com o próprio Faramarz, mais adiante), a Polícia da Moral e a vida pré e pós Revolução aparecem muito, com um tom pessimista sobre o presente.

Isso e o final meio trágico do filme acabam por construir a mensagem de que não há felicidade que dure para as mulheres nesse Irã. O que não significa que elas não vão tentar ter essa felicidade. E vão conseguir, só que talvez por apenas uma noite. Numa dança secreta na sala de estar, alto pra curtir e baixo pra que os vizinhos não ouçam. Num vinho caseiro escondido embaixo da pia. Num bolo de laranja e de carinho. Enfim, é um filme lindo. Se você tiver como, por favor, assista.