às vezes, escrevo

meu terapeuta me mandou reativar meu cartão da biblioteca

sua terapeuta não disse nada
será que ele me acha burra?

Bibliotecas têm sido um tema recorrente na minha terapia.

Na verdade começou com uma biblioteca em específico: a Biblioteca de São Paulo, um dos meus lugares favoritos nessa cidade esquecida pelos deuses.

Sempre achei que existia uma mensagem muito bonita nessa biblioteca em específico, já que ela foi erguida aonde antes ficava a Casa de Detenção de São Paulo, palco do massacre do Carandiru. O fato de que o Estado realmente derrubou uma penitenciária do Estado em reparação a uma atrocidade cometida pelo Estado e ergueu no lugar um parque, uma escola pública de ensino médio/técnico e uma biblioteca sempre me pareceu de uma simbologia imensa, um ar de justiça poética (só poética, a justiça de verdade nunca veio). Não sei, sempre vi alguma beleza nessa encenação de reparação.

Além disso, por muito tempo morei na zona norte de São Paulo, de modos que a estação de metrô mais próxima a mim era a terminal Tucuruvi. A linha azul só começa a fazer conexão com outras linhas lá na estação Luz, já no meio da linha (e já no centro da cidade), o que significa que pra ir de casa pra quase qualquer lugar eu obrigatoriamente precisaria passar pelas primeiras oito ou nove estações da linha antes de fazer qualquer baldeação.

amo o metrô
amo & odeio muito isso aqui 👆

Minha escola do ensino médio ficava na estação Tiradentes. o cursinho, na São Joaquim. A faculdade, na República (tecnicamente na Higienópolis-Mackenzie, mas ela só foi inaugurada quando eu tava mais pro final do curso). Então dos meus sei lá 15 até os 18 mais ou menos eu passei praticamente todos os dias na frente dessa biblioteca linda nesse parque er... não tão bonito num horário em que eu estava livre e a biblioteca aberta. E tinha uma sensação tão boa em passear por lá quando a parte "útil" do meu dia já tinha acabado. Era um momento meio que só pra mim, em que eu podia me demorar nas prateleiras, buscando nada em específico, talvez escolhendo algo que eu emprestaria, talvez não. Vendo as novas aquisições da biblioteca (eles conseguiam livros novos bem rápido, aliás. E tudo ficava super bem conservado. Um serviço de qualidade mesmo, sem brincadeira). Teve um tempo ainda em que fiz terapia ali em Santana, então saía da terapia com a cabeça cheia, refletindo sobre tudo que tinha dito, e ia dar uma volta na biblioteca. Nunca li tanto quanto nessa época.

Então era isso. Meu deslocamento diário incluía passar 1h (ou mais) entre ônibus e metrô, eu querendo ou não. Por isso, parar na biblioteca (que ficava bem no meio do caminho), pegar um livro grátis e então ler este livro nesse mesmo deslocamento no decorrer das semanas seguintes, até que o livro acabasse e eu emprestasse um novo, era um imenso ganho de tempo. Eu tava transformando uma parte obrigatória do meu dia, que a rigor era quase sempre entediante e estressante, em um tempinho meu, comigo. E sem gastar 1 real a mais. Ótimo!

E acho que foi isso que levou o tema pra minha terapia. Desde a pandemia eu passei a trabalhar em home office e o metrô foi de um meio de transporte essencial pra uma aparição rara na minha rotina. Quase não me desloco mais, e quando o faço, dificilmente pego a linha azul. Chegar até a ponta dela, lá na Carandiru, é ainda mais raro. Ir de onde eu moro hoje até lá é um trajeto de 1h e não é mais caminho de nada, de modos que a conveniência da coisa toda evaporou.
Assim eu perdi meu tempo de leitura, mas principalmente perdi meu tempinho comigo, o tempo em que eu ficava sozinho, sem trabalhar nem pensar em trabalho, sem conversar com ninguém, só me curtindo. Hoje em dia o mais próximo que tenho disso é a academia, o que explica porque eu fiquei tão interessado por musculação nos últimos dois anos.

Então é isso, tô tentando voltar a frequentar bibliotecas. Não é mais viável frequentar a Biblioteca de São Paulo, mas ainda dá pra recriar uma parte daquele sentimento, acho. Sábado eu fui à biblioteca do Centro Cultural da Juventude, que fica a uns 20 minutos de ônibus daqui de casa. Claro que eu levei mais de uma hora pra fazer esse trajeto porque meu insight terapêutico foi acontecer justo na semana do pré-carnaval e esse prefeito - que é um BOSTA - não botou sequer uma placa no ponto de ônibus avisando sobre o desvio no trajeto. Enfim. Apesar dos pesares, acho que tá dando certo! A biblioteca do CCJ é bem menor que a do Parque da Juventude. Os livros não são tão novos, é uma experiência diferente. Mas é o que é possível hoje, e certamente é mais do que nada. Também gosto muito de pensar que estou fazendo valer um equipamento de cultura, sabe? Não sei se é paranoia, mas com tanta política de austeridade e fascismo ascendente, me impressiona que ainda não tenha nenhum político cuja plataforma é "vamos fechar bibliotecas e transformar os prédios em igrejas evangélicas taokey". Gosto de pensar que emprestar um livro é também resistir a isso de alguma forma. Tô orgulhoso de mim, feliz por ter feito algo que me faz bem.

selfie
eu quando sou motivo de orgulho pro meu terapeuta


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