às vezes, escrevo

o peso do pássaro morto

Minha primeira leitura desse ano foi O Peso do Pássaro Morto, da Aline Bei, que terminei de ler ontem. Esse foi meu segundo contato com a autora. Ano passado li A Pequena Coreografia do Adeus, dela também (meus comentários aqui). É meio difícil não comparar os dois, não porque um é claramente melhor ou pior do que o outro, mas porque ambos parecem obras complementares, jeitos diferentes que a Aline encontrou de contar mais ou menos a mesma história, ou histórias meio parecidas. Acho que pra comentar minha leitura vou precisar contar elementos centrais da história. Na minha perspectiva, não dá pra chamar isso de spoiler propriamente, porque não tira em nada a experiência de leitura do livro. Mas vá lá, são spoilers.

O otimismo que há nA Pequena Coreografia é bem mais ausente nO Peso do Pássaro. Esse livro é ainda mais cru, e ainda mais cruel. A protagonista dO Peso (que sequer tem nome) tem muito menos chance de viver, menos ainda de ser feliz. A Aline conta a história em lapsos, em saltos temporais. A escrita em muitos momentos usa de metáforas ao mesmo tempo simples e complexas pra descrever o que está acontecendo, como se faz pra explicar o mundo para uma criança que ainda está vendo tudo pela primeira vez. Tive um pouco essa sensação também: a protagonista foi forçada a crescer, e cresceu de fato, mas num amadurecimento forçado, antes do tempo adequado. Então ainda carrega consigo uma parte infantil, que não pôde nunca mais ver a luz do dia.

O livro já parte do momento em que a protagonista descobre o que é a morte ao perder a sua melhor amiga, a pessoa que melhor a entendia e que se esforçava de verdade pra ajudá-la a superar seus medos. Essa amiga, a Carla, vai fazer falta para todo o resto da vida. Acho que esse é mesmo um livro sobre morte, mas não só sobre a morte concreta, também sobre a morte metafísica, a morte em vida. A protagonista passa por uma violência sexual que lhe destrói sem lhe tirar a vida. Tira seus sonhos e sua capacidade de amar aos outros e a si mesma. E essa violência é reafirmada pelo segredo. A protagonista não consegue contar a ninguém nunca o que aconteceu, nem a seus pais, nem a seu filho, fruto dessa mesma violência.

Mesmo querendo, a protagonista não consegue abortar o filho, não tem como dar os passos necessários pra isso. E o filho não é abortado, mas a relação entre eles é. Ela é incapaz de amá-lo, e incapaz até mesmo de lhe explicar porquê.

Diferente da protagonista dA Pequena Coreografia, a dO Peso não encontra redenção ao descobrir um talento ou hobbie que lhe preenche a alma. Não encontra uma amiga, uma ex-dona de bordel que a escuta e lhe faz cafuné. Não faz as pazes com ninguém do seu passado. O máximo que consegue é uma casa maior do que precisa, um cotidiano de silêncios que lhe traz paz, e um cachorro imenso que, esse sim, lhe traz alento. Mas mesmo essa paz dura pouco e eventualmente lhe é tirada também. Quase como em Meu Bolo Favorito, a mensagem final também parece algo como "não há felicidade possível pra essa mulher".

Esse é um livro muito, muito triste, mas que também vale a leitura. Aliás, li de graça usando o BibliOn, a biblioteca virtual do Governo do Estado de São Paulo (disponível também pra pessoas de outros estados).