às vezes, escrevo

sobre sonhar com a chuva

Eu raramente sonho. Bom, dizem que toda noite a gente sonha, a questão mesmo é que nem sempre se lembra (do) que sonhamos. Eu raramente lembro do que sonho mas, quando lembro, frequentemente envolve algum tipo de corpo d'água. Às vezes é só parte do cenário, uma cena que por acaso acontce perto de um rio, uma piscina, alguma coisa acontecendo perto do mar ou na praia ou numa cidade praiana que já visitei na vida real. Nem sempre é relevante pro quê tá acontecendo, pra ação ou mesmo pros personagens do sonho, mas volta e meia tá ali, tipo um easter egg que meu inconsciente deixou especialmente pra mim, um apito de cachorro na frequência exata pra só eu ouvir. Uma piada interna minha comigo mesmo. Uma mensagem que só pessoas inteligentes entenderiam, e que eu entendi.

As minhas aparições de água favoritas envolvem a chuva. Aliás, não. Envolvem, na verdade, a expectativa da chuva. Sabe quando o tempo vira, o céu escurece, o vento se agita, o ar fica mais úmido e qualquer pessoa do seu lado se sente irresistivelmente impelida a dizer "Ihh vem chuva por aí!!"? Como se a atmosfera, literal e metaforicamente, estivesse abrindo espaço pra um evento principal que tá chegando?

Quando eu era criança e esses sinais começavam a aparecer, minha mãe me convidava pra um ritual: recolhe as roupas do varal, fecha as janelas (mais deixa um vãozinho, pra entrar um vento fresco sem molhar nada aqui dentro), escora as portas pra não baterem. Separa um punhado de velas, uma caixinha de fósforos e uns pires, pro caso de a luz acabar.

Contando asim talvez pareça um protocolo ansioso, apressado, com medo. Não é assim que eu me lembro. Na verdade, é o contrário: naquela época (e hoje, nos ecos oníricos), quando esse tipo de cena se desenrola, sinto uma paz terrível. A sensação é a de que, embora algo sério e meio assustador esteja vindo, estou seguro bem aqui. É só fechar as janelas, não deixar molhar as roupas. A chuva é só isso aí mesmo, água caindo do céu, tá tudo bem aqui dentro.