uma caneca de nostalgia
Do ensino médio até o final da faculdade, minha rotina da manhã foi bastante consistente: eu acordava antes das 6h, tomava banho, café da manhã e ia de carona até o metrô Jardim São Paulo, onde pegava o metrô até a Tiradentes (no ensino médio) ou a República (no começo da faculdade)/Higienópolis-Mackenzie (no final do curso, quando a estação foi inaugurada). Foram oito anos me condicionando a acordar (tão) cedo - eu sempre estudei de manhã, mas antes do ensino médio minha escola ficava no mesmo bairro da minha casa, o que me dava algumas horas a mais de sono (suponho, na verdade não me lembro bem).
Meu pai sempre acordava antes de mim. Então quando eu saía da cama, ele já tinha tomado banho e a cafeteira já estava trabalhando. A gente tomava café junto, em silêncio, ouvindo o rádio ligado na Bandnews ou na Nativa, as rádios que ele continuava ouvindo no carro no nosso trajeto até o metrô (e que ele seguiria ouvindo sem mim, no trajeto até o trabalho dele). Hoje, lembro com muito carinho desse ritual. A gente nem conversava tanto, mas acho que era disso mesmo que eu gostava. Intimidade de verdade permite silêncio. (Ou, numa citação de "Amanhã, amanhã e ainda outro amanhã", que estou lendo agora, "descobri que os relacionamentos mais íntimos permitem muita privacidade." (p. 350).
Conforme os anos vão passando, percebo em mim cada vez mais traços do meu pai. Aspectos da personalidade dele que eu não quis imitar, mas que absorvi sem perceber. Meu pai sempre foi muito engraçado, muito brincalhão. Um grande fã de trocadilhos e piadas bobas, o tio do pavê. Também sou assim. Repito algumas das piadas dele, invento outras seguindo o mesmo estilo de humor. Meu pai sempre foi muito resolutivo, muito calmo quando precisava ser calmo e resolver algum problema. Um jeito sereno de dizer "vai dar tudo certo". Meu pai faz o que tem que fazer, é muito certinho e comprometido. É muito legal hoje, conforme me aproximo dos meus 30 anos, reconhecer esses traços em mim.
Naquelas manhãs, meu pai tomava café quase sempre na mesma caneca: uma branca, decorada com bolas de todo tipo de esporte (basquete, futebol, futebol americano, tênis) da campanha da farmácia Promofarma de 1999, comemorando a virada pro ano 2000. Não consigo lembrar exatamente o slogan, mas era alguma frase aspiracional sobre a virada do século. Meus pais ganharam essa caneca (e ainda algumas outras, é toda uma coleção) numa campanha da farmácia, depois de comprar tanto leite em pó, fralda e antigripal pra mim e pro meu irmão. Por algum motivo, essa caneca virou um símbolo muito grande pra mim. Espero muito que elas não se quebrem e que possa herdá-las um dia.
Acho que foi por isso que, em fevereiro, quando visitei a exposição comemorando 30 anos do Castelo Rá-Tim-Bum, quis tanto comprar a caneca deles: o material era o mesmo dessas da Promofarma, uma cerâmica grossinha, e o design parecia nostálgico, com cara de anos 2000.
Enfim. É divertido se perceber nesse processo de me tornar pessoa e traçar de volta o caminho de origem de algumas partezinhas de quem eu sou. Às vezes uma caneca é mais do que uma caneca.
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